O plano de econômico de maior impacto, econômico e social da história, está fazendo trinta anos. Recorro ao texto do doutro em economia José Maria Dias Pereira, para melhor esclarecer o leito deste artigo. Havia um país, não tão distante, que, em junho de 1994, tinha uma inflação mensal de quase 50% e anualizada (12 meses) de mais de 5.000%. Quem não era nascido nessa época perguntaria, admirado, que país é esse? Você acreditaria se alguém lhe dissesse que esse país é o Brasil? Provavelmente, não. Acredite se quiser, trata-se mesmo de sua terra natal. Como reforço argumentativo, convido aos que têm menos de 30 anos a um passeio pela história recente do nosso país uma década antes. A situação política e econômica do país em 1984, era a de que o movimento das “diretas já” não tinha passado e a ditadura, na figura do seu último general presidente (João Figueiredo), se preparava para deixar o poder nas mãos de um civil.
Foi escolhido um conciliador, que já tinha tido uma curta trajetória como Primeiro-Ministro, no início dos anos 1961, quando os militares se recusaram a empossar Jango (que estava na China), após a renúncia de Jânio Quadros. Tancredo Neves foi eleito pelo Congresso, num pleito indireto, em que o candidato do governo derrotado era o ex-ministro Mário Andreazza. Reza a lenda de que, já eleito, Tancredo teria recebido no seu gabinete o economista André Lara Resende, que lhe apresentou um plano para acabar com a inflação, naquela altura já era uma hiperinflação semelhante à que ocorrera na Alemanha nos anos 1920. Após ouvir a proposta e o visitante se despedir, Tancredo teria dito a um assessor: “esse filho do Otto tem umas ideias estranhas” (André é filho do escritor mineiro, Otto Lara Resende). Assim, se não tivesse falecido, provavelmente, o Plano Real – herdeiro de uma sucessão de planos anti-inflacionários que não deram certo poderia ter morrido no nascedouro. Quis o destino que Tancredo Neves fosse vitimado pouco antes da posse e tenha assumido, em seu lugar, o vice, José Sarney, em março de 1985. Sarney topou testar o experimento. Assim, surgiu o plano Cruzado que se baseava em duas propostas teóricas surgidas nos corredores da PUC- Rio. Uma, a do “choque heterodoxo”, do economista Francisco Lopes, e a outra que propunha a introdução de uma moeda indexada, a chamada proposta “Larida”, dos economistas André Lara Resende e Pérsio Arida. Inicialmente, o plano Cruzado foi um sucesso (a inflação caiu para quase zero) e gerou enormes ganhos políticos para o partido do governo nas eleições daquele ano. Alguns chamam isso de “estelionato eleitoral”. A demora em corrigir preços defasados, somada ao congelamento de preços, foi a sentença de morte do plano Cruzado.
Na verdade, o plano tinha objetivos que iam muito além da derrubada da inflação. Era uma revolução, pois mexia com a própria distribuição da renda, pois os preços dos produtos dos setores mais concentrados eram mais fáceis de aplicar o congelamento. Seguiu-se um boicote ao congelamento, com os produtos sendo escondidos, criando-se uma falta nos supermercados e o surgimento de um “mercado negro”. O plano Cruzado pecou por sua abrangência: propunha, nada mais nada menos, do que a revogação da “lei da oferta e da procura”. Adam Smith, mais uma vez, tinha razão. Era a “mão invisível” (do mercado) em pleno funcionamento. Depois de uma série de planos anti-inflacionários fracassados – que serviu de aprendizado – em 1º de julho e 1994, é lançado o plano Real. Mais uma curiosidade: o nome da moeda (Real) foi uma sugestão do economista Chico Lopes, que se inspirou numa moeda antiga do Brasil (réis), que vigorou até a República Velha. Naquele momento, a situação política no país enfrentava mais uma turbulência com o impeachment de Collor. Novamente, um vice assumia a Presidência, no caso, Itamar Franco.
Até maio de 1993, quando o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu o Ministério da Fazenda, o governo Itamar continuava “remando contra a maré”, sem êxito na política anti-inflacionária. A diferença em relação aos planos anteriores é que, desta vez, não haveria nenhum tipo de surpresa, como um conjunto de medidas adotadas na “calada da noite”. O novo plano previa um processo de transição gradual até que a moeda má (Cruzeiros) fosse substituída pela moeda boa (Real). Tampouco previa medidas drásticas, como o congelamento de preços (Plano Cruzado) ou o confisco de ativos financeiros (Plano Collor). A primeira etapa foi o ajuste fiscal. Além do corte de gastos, houve um aumento da arrecadação com a criação do Imposto Provisório de Movimentação Financeira (IPMF).
Esse imposto, até hoje de triste recordação para o contribuinte, se caracterizava pela facilidade de arrecadação e dificuldade de sonegação. A segunda etapa preparatória do Plano Real foi deflagrada em fevereiro de 1994, com a criação da Unidade Real de Valor (URV) que, nada mais era, do que um indexador que corrigiria diariamente os valores da moeda ainda em vigor (Cruzeiro) pela taxa de inflação. Até que no “dia D” (1º de julho de 1994), quando todos os preços estavam expressos em URV, finalmente o governo introduziu a nova moeda (o Real) cujo valor era igual ao da URV daquele dia (CR$ 2.750,00) que equivaleria a, aproximadamente a um dólar americano (UR$ 1,00). Um ponto importante de sustentação do Plano Real foi a chamada “âncora cambial”, ou seja, a situação relativamente confortável das contas externas do país, após a abertura da economia brasileira, no início dos anos 1990. A taxa de juros elevada, por volta de 50% ao mês, resultou num significativo fluxo de capitais para o país, aumentando as reservas cambiais. Isso provocava uma valorização do real em relação ao dólar, facilitando as importações e impedindo o repasse de choques de custos para os preços e, ao mesmo tempo, impedir o desabastecimento naqueles segmentos de mercado que se expandiam rapidamente. Apesar do ceticismo da população quando do seu lançamento, justificável pelo fracasso dos planos de estabilização anteriores e pelo cenário de hiperinflação da época, o Plano Real teve imediato sucesso. Já no mês seguinte, a taxa de inflação mensal cairia pela metade e continuaria a sua trajetória de queda nos meses seguintes, aproximando-se de zero, em dezembro de 1995. Como sempre acontece com a política econômica, ela resulta em benefícios e custos para diferentes setores da economia. Primeiro, o benefício mais evidente, sem dúvida, foi o controle da inflação - o que não é pouca coisa, basta olhar para a nossa vizinha Argentina que se debate, há décadas, com esse problema. As camadas mais pobres também foram favorecidas pelo aumento do poder aquisitivo da moeda que, até então, era “sequestrado” pela inflação, gerando um efeito redistributivo importante. Houve, claro, custos. Exemplo: socorro aos bancos, expansão da dívida pública interna, privatizações etc. Conclui-se que, somando-se o conjunto de benefícios trazidos pela nova moeda, estes foram maiores do que os custos. Tanto é verdade que o Real passou a ser visto como um “bem público”, na medida que sua preservação deixou de ser um objetivo deste ou daquele partido no governo, mas de toda a sociedade. O sucesso do Real é, certamente, mérito dos economistas brasileiros que discutiram, em várias frentes e, principalmente, aprenderam com seus próprios erros nos planos anteriores.
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